GAZETA DO POVO

     NO DIVÃ COM PLATÃO ( Curitiba, 28 de outubro de 2003 )

              

 

Temida pela ditadura e acusada de inútil durante anos, a Filosofia está em voga, 27 séculos depois de ter sido inventada pelos gregos.  Essa popularização, se é que podemos chamar assim, está acessível, inclusive, para quem nunca ouviu falar de Platão. Ao mesmo tempo em que um número maior de pessoas se interessa e as escolas e universidades voltam a se abrir ao tema, surgiu a Filosofia Clínica, a filosofia acadêmica aplicada como terapia.

A prática foi desenvolvida pelo filósofo gaúcho Lúcio Packter, que em 1996 criou o Instituto Packter, em Porto Alegre, responsável por difundir a teoria para outras cidades brasileiras. De uma família de médicos, Packter cresceu testemunhando a angústia de pessoas que tinham entes em situação de doença e morte. Com formação em psicanálise, e posteriormente, em Filosofia – a qual conheceu após estudos na Holanda -, ele passou a pesquisar um método de estudos próprio, que apaziguasse as pessoas em momentos difíceis.

 “A Filosofia Clínica caracteriza-se pelo ouvir assim como as outras terapias. A diferença é que não começamos pelo problema. Contextualizamos primeiro a história de vida da pessoa”, diz a filósofa clínica Margarida Nichele Paulo, coordenadora do Centro de Filosofia Clínica do Paraná.

A primeira fase da terapia é chamada de Lógica, na qual o partilhante – como é chamado o paciente neste ramo de terapia – é convidado a lembrar e a contar fatos de sua história.

“A medida em que começa a colocar os fatos em ordem, a pessoa se dá conta do que acontece com ela”, diz a filósofa.

No segundo momento, chamado de Estrutura do Pensamento, são abordados 30 itens, cada um baseado nos preceitos de um filósofo diferente. O primeiro, por exemplo, refere-se a questão “como o mundo lhe parece”, baseado na fenomenologia de Jean-Jacques Rousseau.

“Não trabalhamos com rótulos porque cada pessoa lida de maneira diferente com as situações. Ajudamos a pessoa a encontrar um caminho por ela mesma”, afirma Margarida Nichele Paulo.

Em grego, a palavra filósofo significa “amigo do saber”, portanto, o filósofo clínico não é proprietário da verdade. “O filósofo clínico precisa gostar de pessoas, saber ouvir e ser bom conselheiro”, diz o filósofo clínico Darcy Antonio Nichetti. Ele observa que a terapia é  um novo mercado de trabalho para o filósofo, que tradicionalmente se especializa em pesquisa e magistério.

Outra contribuição, segundo Margarida Nichele Paulo, é a desmistificação da idéia de inacessibilidade da Filosofia. “Todo o conhecimento humano nasceu da Filosofia. Por isso, ela precisa ser acessível a todos. A Filosofia Clínica tira da abstração e traz à prática”, avalia. 

Danielle Brito

 

CAMINHO DO AUTOCONHECIMENTO

 

A professora de Ensino Médio, Osnéia Ribeiro Souza, 38 anos, passou por uma difícil perda na família em fevereiro deste ano. Desestruturada emocionalmente, sentiu necessidade de procurar ajuda. Foi quando resolveu tentar a Filosofia Clínica.

“A gente começa a revelar a nossa história. Relembrando as coisas, vamos entendendo os fatos como eles ocorreram”, afirma. Para ela, a correria do dia-a-dia a impedia de ver os acontecimentos claramente. “Mudei a minha forma de observar. Lidar com a perda é difícil. Mas  ao retratar os fatos nos fortalecemos, passamos a ter consciência de nós mesmos. É uma lição intensa que vou carregar para o resto da vida”, diz. A terapia com a Filosofia Clínica varia de partilhante para partilhante. As sessões são de cinqüenta minutos e dificilmente o tratamento se prolonga por mais de um ano. A prática pode ser aplicada individualmente, com casais e grupos, inclusive em empresas. Para ser terapeuta, o filósofo (ou outro profissional da área de humanidades) deve ter especialização. Em Curitiba, o curso, que tem o reconhecimento do Ministério da Educação e dura dois anos, é oferecido pelo Centro de Filosofia Clínica do Paraná. O Instituto Packter, de Porto Alegre, oferece curso em nível de pós-graduação.