DIÁRIO DO NORDESTE ( agosto de 1999)
Fortaleza-Ce

  FILOSOFIA CLÍNICA É NOVA FORMA DE TERAPIA

A Filosofia salta os muros da academia , dá uma breve "escapada" dos bares e botequins, por onde muitas vezes passeia entre doses de cachaça ou do mais puro uísque, para embrenhar- se em outros campos, antes só habitados pela Psicologia e Psicanálise. O complexo desvendar dos conflitos humanos, das dores íntimas da alma, desde sempre contemplados pelo olhar filosófico, tomam outra conformação, agora mais interativa.

Longe do aparente distanciamento da Filosofia, ainda hoje tratada como "coisa" de gente meio pirada, a Filosofia Clínica desabrocha como um novo campo de atuação para os filósofos que saem das Universidades e que até bem pouco tinham nos livros e na construção ideal do pensamento, talvez suas maiores fontes de pesquisa e elucubrações.

A Filosofia face da Filosofia começou que por acaso, quando o gaúcho Lúcio Packter retornava para o Brasil após uma estadia de trabalho na Europa e passando por uma cidade holandesa, conheceu um grupo de pessoas que tinha por prática encontrar-se nos botecos para falar sobre seus problemas existenciais , fazendo o que eles chamavam de filosofia prática. Já no Brasil, enquanto cursava Filosofia na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Imaculada, na Grande Porto Alegre, Packter começou a amadurecer os frutos da experiência, até que em 1993 fundou o Instituto Packter, em Porto Alegre, que desde então vem realizando cursos de Filosofia Clínica no país e difundindo a prática.

Atualmente, existem cursos organizados em dez estados brasileiros e mais de 300 filósofos clínicos atuando. Em fortaleza, a primeira turma do curso conclui hoje a parte teórica, após 18 meses de estudos. A entrega de certificados, que recebem o nome da UECE e do Instituto Packter, acontece, ao meio dia , no Centro de Humanidades da UECE, onde as aulas foram ministradas. Até novembro, os 14 concludentes cumprem o estágio supervisionado, para que possam clinicar.

A Segunda turma começou em agosto do ano passado e a terceira será iniciada este mês. Em razão do número de pessoas envolvidas, a cidade já é o maior centro de Filosofia Clínica das regiões Norte e Nordeste. Declarando-se afeiçoado ao Nordeste, Packter crê que a região tem tudo para se destacar mais que o Sul na área da Filosofia Clínica, "pela plasticidade e pela humanidade desse povo".

COMPARAÇÃO COM PSICOLOGIA É INEVITÁVEL

Se por um lado é difícil fugir das primeiras comparações com a Psicologia, a Filosofia Clínica tem diferenças marcantes quanto aos fundamentos que lhe norteiam, pois vai beber na fonte de mais de uma centena de filósofos. Saem de cena Freud, Jung e o divã da Psicanálise, para entrarem Platão, Aristóteles, Kant, Nietzsche e tantos outros pensadores.

A base para o tratamento realizado pelo filósofo clínico é pois a estrutura do pensamento do cliente, e não paciente, como acentua a concludente do curso, Rose Pedrosa. O fim, por sua vez, é o mesmo: trabalhar as questões conflituosas do cliente e que lhe causam dores, angústias, doenças.

"Ontem eu não sabia que estava preparando lembranças". A constatação de Cínthia Cruz, outra concludente do curso, revela um pouco da essência do tratamento. Como ressalta Lúcio Packter, procura-se a raiz geradora do problema, a partir da história de vida do cliente. Logo nos primeiros encontros, que podem ser no consultório, num parque, numa praia ou em qualquer outro lugar sugerido pelo cliente, ele faz uma memorização cronológica de sua vida, desde a infância.

Com a contextualização do problema, ressalta Packter, será possível perceber dados importantes como os ciclos repetitivos, seus padrões, heranças culturais e ambientais. A partir desse entendimento, torna-se possível encontrar as condições particulares que cada pessoa tem para resolver os seus conflitos. "Do ponto de vista filosófico não existem padrões de normalidade", ressalta Packter, que defende, também, o rompimento com o conceito de cura.