DIÁRIO CATARINENSE ( MARÇO DE 1999 )

  ORGANIZANDO AS PÁGINAS DA VIDA
  Romí de Liz - Florianópolis

A busca de solução para problemas psicológicos é uma constante na comunidade moderna. Entra em evidência agora uma nova forma de terapia para lidar com sentimentos, complexos e traumas: a Filosofia Clínica. Um dos diferenciais da terapia tradicional é que as pessoas não são rotuladas como portadores de uma patologia como depressão, psicose maníaco depressiva, doenças do gênero, após a identificação de determinados sintomas.

Na Filosofia Clínica, o método utilizado é o do questionamento, onde a pessoa conta a sua vida, sem a indução do filósofo nesta narração. O precursor do método no país, Lúcio Packter, salienta que as pessoas normalmente têm idéias desordenadas cronologicamente de sua história. "O que fazemos é levá-la a organizar as páginas de sua vida." A partir desta fase, começa a formação da Estrutura do Pensamento, desenvolvida pelo profissional e baseada em 30 itens.

O trabalho clínico na filosofia consiste inicialmente em pesquisar a estrutura do pensamento da pessoa que ali está que, como suas impressões digitais, lhe é única, ou seja, diferente de todos os demais seres humanos. A Filosofia Clínica não "trata" doentes, já que não utiliza os conceitos de normal X patológicos; ela considera o ser humano que a procura e se vale das maneiras que ele já utiliza informalmente para resolver outras questões, naquilo que está incomodando quando procura uma clínica filosófica. O tratamento é puramente emocional, sem medicamentos. "Não queremos vender ideologias, mas sim trabalhar com o universo interno das pessoas" completa Lúcio.

Como descreve em seu livro sobre o assunto, o papel do filósofo clínico é buscar sentir a pessoa, o modo como toca, olha, fala, como se movimenta, como se relaciona com o meio onde vive; o filósofo busca conhecer como esta pessoa está estruturada, quais os pré-juízos, emoções paixões dominantes, papéis existenciais, entre outros dados, e como ela se relaciona enter si e com o ambiente.

Após três meses de terapia, entenderá que aquela pessoa está estruturada de determinada forma e por isso tende a se comportar de determinada maneira e a encontrar soluções para seus problemas.

O tratamento dura em média seis meses, com várias sessões de 50 minutos cada. A constatação de Lúcio Packter é que a maioria das pessoas só procura ajuda psicológica quando percebe que tem um problema grave. As áreas de Psicologia e Psicanálise não deixam de ser indicadas no tratamento. Quando o profissional percebe que os problemas podem ser orgânicos e psicológicos, há a indicação de outras especialidades médicas. Com pós-graduação nas áreas de Filosofia , Psicanálise e Psicologia, Lúcio Packter chegou à Filosofia Clínica após perceber que não gostava das respostas prontas e objetivas que as outras áreas propunham: como certo e errado, bom ou mau; e passou a procurar uma nova forma de ajudar as pessoas em seu consultório.

PROFISSIONAIS DISCUTEM A NOVA FILOSOFIA

Os profissionais da área de Filosofia Clínica encontram-se pela primeira vez neste fim de semana, em Florianópolis, no 1O Encontro Nacional de Filosofia Clínica, realizado pelo grupo catarinense no Ingleses Praia Hotel, na praia de Ingleses. O objetivo principal do encontro é discutir a prática no Brasil, junto a um grupo de intelectuais que resolveram deixar as salas de aula em troca de consultórios, e utilizar os conhecimentos que obtiveram na faculdade para ajudar as pessoas a trabalharem melhor as suas dificuldades existenciais.

O evento deste fim de semana está superando as expectativas dos organizadores, que receberam inscrições de todo o país. O encontro é aberto à comunidade e profissionais interessados em conhecer mais sobre esta nova prática terapêutica com os palestrantes Renato Machado, Hélio Strassburger, Jarbas Bett, Sônia Kuiava, Paulo Rodrigues, Darcy Altoé, enter outros.

A ciência tida até então como excessivamente teórica está invadindo os consultórios e garimpando profissionais de todo o país para esta área e já está implantada em pelo menos 10 estados brasileiros, entre eles Santa Catarina, que conta com 10 profissionais capacitados na área e outros 15 em formação. Calcula-se que no Brasil existam cerca de 400 profissionais.

Para tornar-se um filósofo clínico são necessários quatro anos de graduação em Filosofia e mais dois anos de especialização com aula teóricas e práticas. Os cursos de especialização no Estado catarinense são ministrados por profissionais do Rio Grande do Sul e organizados pelo grupo de Filosofia Clínica de Santa Catarina.

Santa Catarina está entre os estados mais promissores para os profissionais da área . "Há uma boa universidade e profissionais qualificados", salienta o filósofo Lúcio Packter. São Paulo, Minas Gerais, Ceará e Rio Grande do Sul ganham destaque como os centros mais desenvolvidos no país.

Especialidade inédita no mundo, a Filosofia Clínica está tendo um crescimento acelerado e sendo "exportada" para países como Itália, Canadá e Estados Unidos. São esperados pelos idealizadores a instalação em mais de 30 cidades pelo mundo nos próximos três anos.

Um dos motivos para o crescimento acentuado da especialidade é o respeito à individualidade de cada pessoa. Cada pessoa é tratada de forma especial, sem conceitos pré-concebidos e com o envolvimento único da pessoa tratada.

O filósofo Lúcio Packter, precursor da especialidade, afirma que começou a estudar a nova forma de terapia na década de 80, mas a Filosofia Clínica só ganhou reconhecimento com a criação do primeiro centro, o Instituto Packter, em Porto Alegre, em 1995. O nome é uma homenagem de Lúcio Packter ao avô paterno.

Após a instalação do centro foi criada uma Comissão de Implantação de Cursos, com o objetivo de cuidar da qualidade de formação dos profissionais. Preocupação que, segundo Lúcio Packter, é cada vez maior com a expansão da profissão da profissão. Lúcio Packter acredita que um dos maiores problemas na formação de profissionais capacitados é a baixa qualidade do ensino, além da maioria dos estudantes não dominarem outros idiomas.

 


 

"Os terapeutas, tradicionais ou não, podem enfrentar concorrência daquelas daqui em diante. E o filósofo Lúcio Packter é o precursor da novidade em todo o Brasil.

Um movimento vem ganhando força na defesa de que lugar de filósofo não é apenas nas salas de aula, mas também atendendo em consultórios. E os adeptos da nova modalidade de terapia elegeram Florianópolis para seu primeiro encontro nacional, que acontece a partir de sexta-feira no Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina.

O pioneiro Lúcio Packter é filho do sacramentado oftalmologista catarinense Henrique Packter."