A SEMANA ( maio de 1998 )
Belo Horizonte
  por Elvis Gomes

A Filosofia Clínica começa a ganhar espaço por todo o Brasil. No país, já existem cursos funcionando em Belo Horizonte e Divinópolis (MG); em São Paulo, Ribeirão Preto; Marília e Osasco (SP); em Santa Maria, Caxias do Sul, Pelotas e Porto Alegre (RS); além de Salvador (BA), Florianópolis (SC) e Curitiba (PR). Outro curso está sendo iniciado em Belém (PA). A partir do segundo semestre, o curso de especialização em Filosofia Clínica passará a ser oferecido pela Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo (SP), e pela Universidade Estácio de Sá, no Rio de Janeiro (RJ).

Em Divinópolis, o curso vem sendo ministrado desde o começo do ano pelo filósofo Hélio Strassburger, que mora em Porto Alegre (RS), onde surgiu a Filosofia Clínica. A turma em Divinópolis tem 20 alunos. As aulas são realizadas uma vez ao mês, no Colégio Frei Orlando (rua Minas Gerais, 900, centro). Strassburger também é responsável pelo curso que está sendo realizado em Belo Horizonte, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (MG), que conta com 15 alunos.

Strassburger não poupa elogios aos seus alunos de Divinópolis: "É um ótimo grupo, eles serão ótimos terapeutas."

Segundo Strassburger, a Filosofia Clínica surgiu a partir de estudos e pesquisas do filósofo Lúcio Packter, que, quando voltou da Europa (onde morou por mais de 10 anos), no início da década de 90, tinha a necessidade de estruturar uma forma de terapia que fosse alternativa às terapias tradicionais. Packter, que atualmente tem 35 anos, morou na Escócia, Alemanha e Holanda, lugares onde já estava sendo desenvolvida a filosofia da práxis. "O Lúcio foi psicanalista e ficou muito decepcionado com o que viveu nessa área. No Brasil, nós trabalhamos fundamentalmente a partir dos ensinamentos de Packter", diz Strassburger. "A Filosofia Clínica não é nenhuma novidade. Os gregos já usavam isso antes. Sócrates (filósofo grego) já fazia isso em praça pública. Talvez a perspectiva que o Lúcio trouxe para o Brasil é que é nova", esclarece Strassburger, que é graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Para Strassburger, a Filosofia Clínica e a Psicologia utilizam procedimentos diferentes para obter seus diagnósticos. "São procedimentos clínicos conflitantes em vários aspectos. O psicólogo trabalha com tipologia. Nós usamos apenas filósofos. Nós não usamos Freud e Lacan, por exemplo, embora eles sejam maravilhosos dentro dos sistemas em que se propõem a trabalhar."

Strassburger garante que as pessoas que passaram por tratamentos com filósofos clínicos não se arrependeram. "De cada dez casos, a gente pega seis ou sete pessoas que vêm quebradas literalmente do tratamento com terapia. Algumas pessoas dizem que foram procurar alívio existencial e voltaram com mais dores", ressalta Strassburger, que atualmente conta com 16 partilhantes (nome das pessoas que fazem a terapia com o filósofo clínico) em sua clínica, em Porto Alegre.

O atendimento feito por um filósofo clínico se assemelha ao de analistas, conforme assegura Strassburger. "A pessoa fala sobre seus problemas e é auxiliada", explica Strassburger, que ministra aulas de Filosofia Clínica desde 1996.

A consulta com um filósofo clínico custa cerca de R$ 50,00, segundo acordo feito pela Associação Brasileira de Filosofia Clínica, com o objetivo de unificar os preços das consultas em todo o país. A sessão pode ser feita tanto em um consultório quanto em uma escola ou caminhando no parque. Em média, cada consulta dura em torno de 50 minutos e é realizada uma vez por semana. Quando é detectada uma crise mais forte na pessoa, as consultas acontecem 3 ou 4 vezes por semana. "Nós buscamos nas pessoas o alívio para suas crises existenciais", filosofa Strassburger.

O pré-requisito para fazer o curso de Filosofia Clínica é ter o diploma de graduação em Filosofia. O curso de Filosofia dura 4 anos; já o de Filosofia Clínica, dura um ano e meio, com aulas teóricas e práticas, além de estágios e pré-estágios. No total, são 420 horas/aula. Depois de formado em Filosofia Clínica, o filósofo está apto a trabalhar em clínicas, consultórios, hospitais, e também em escolas. De acordo com Strassburger, o curso é liberado pelo Ministério da Educação (MEC).

Atualmente, o curso custa R$ 1800,00 e pode ser pago em 18 mensalidades de R$ 100,00. "É um curso barato porque habilita o filósofo a montar um consultório ou uma clínica. O filósofo terá uma nova opção profissional, já que antes ele tinha apenas a possibilidade de dar aulas ou de fazer pesquisas", conclui Strassburger. Em Divinópolis, as pessoas interessadas em se inscrever para a segunda turma do curso de Filosofia Clínica, que terá o mínimo de 15 alunos, devem ligar para (051) 330 66 34. O Instituto Packter, que desenvolve trabalhos em Filosofia Clínica funciona na rua Cel. Lucas de Oliveira, 1937, conjuntos 301/ 302 / 303 / 304, em Porto Alegre (RS).

"A IDÉIA DA FILOSOFIA CLÍNICA É MUITO VÁLIDA", DIZ PSICÓLOGA A psicóloga Patrícia Vasconcelos Santos, graduada em Psicologia pelo Inesp?

UEMG, acredita que é válida a nova vertente da Filosofia. "Para dizer a verdade, eu ouvi falar pouco sobre a Filosofia Clínica e nunca tive contato com uma pessoa que trabalha com isso. Eu penso que a idéia da Filosofia Clínica é muito válida. Eu acredito que tudo aquilo que é feito com intenção de levar uma maior consciência ao ser humano tem um lado positivo", afirma Santos, que tem uma clínica em Divinópolis desde 1996 e desenvolve um trabalho psicológico com toxicômanos e alcoólatras na Fazenda Amparo do Senhor Jesus, situada em Divinópolis. "Mas eu acho que é preciso observar uma série de coisas que regulamentam a Filosofia Clínica enquanto profissão. Nós temos de questionar um pouco sobre esta especialização, principalmente se ela é suficiente para habilitar o filósofo a clinicar", continua.

Segundo a psicóloga, o aparecimento da Filosofia Clínica significa uma espécie de "beliscão" na Psicologia, que deve estar falhando em algum aspecto. "A Psicologia e a Psiquiatria sempre tiveram o domínio do estudo do comportamento humano. Com o aparecimento da Filosofia Clínica, eu acredito que a Psicologia está falhando em algum aspecto", diz Santos. "Mas isto é positivo para a Psicologia, que terá de passar por uma reciclagem", completa.

A grande preocupação da psicóloga é em relação à ética da profissão. "Se a Psicologia está dando esta brecha para a Filosofia entrar, a tendência é aparecer uma certa competitividade de mercado entre as duas, e eu não gosto desta idéia. Trabalhar com seres humanos é muito sério. Então, eu acho que a ética tem de imperar de todos os lados."

Santos acrescenta que já leu relatos de pessoas que experimentaram a Filosofia Clínica e gostaram. "Eu tive a oportunidade de ler relatos de pacientes que estão sendo atendidos por filósofos clínicos e com grande progresso, dizendo até que passaram por um processo analítico e não tiveram sucesso", afirma Santos.

"Não tenho nada contra a Filosofia Clínica, mas um curso de um ano e meio não habilita o filósofo a abrir uma clínica. Eu acredito que o filósofo tem de estudar um pouco mais para clinicar", frisa a estudante do 7 período de Psicologia do INESP/UEMG Hélcia Maria da Silva Viriato, que está fazendo estágio desde o começo do ano no Sindicato dos Bancários de Divinópolis, onde vem desenvolvendo um trabalho voltado para a Psicologia preventiva.

"FILOSOFIA CLÍNICA É MUITO NOVA AINDA", DIZ FILÓSOFA

Para a filósofa Irene Amaral Michelini Ferreira, a Filosofia Clínica representa uma renovação da Filosofia deste fim-de-século. "A Filosofia de cada fim-de-século sempre passou por renovação de idéias. Hoje em dia, nós estamos testemunhando o fim de uma fase da modernidade; estamos na pós-modernidade, como pode ser chamado. Atualmente, estão sendo abertas as perspectivas do homem na esquina do século XXI", filosofa Amaral, que leciona as disciplinas de Filosofia da Arte (para o curso de Filosofia) e Epistemologia e Psicomotricidade (para o curso de Psicologia) no Instituto de Ensino Superior e Pesquisa (INESP), unidade da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG).

"A Filosofia Clínica é muito nova ainda e, por este motivo, gera várias polêmicas", ressalta Amaral, que está freqüentando as aulas de Filosofia Clínica em Divinópolis. "A Filosofia Clínica está inovando a visão das relações humanas, uma vez que o cliente é chamado de "partilhante", ou seja, ele é uma pessoa que partilha com o terapeuta das mesmas esperanças", completa a professora, que é uma das coordenadoras e psicomotricistas da Escola Ar Livre, situada no bairro Sidil.

"O meu primeiro contato com a Filosofia Clínica aconteceu em 1995, em Juiz de Fora (MG), no Encontro Nacional dos Estudantes de Filosofia (Enefil).

Lá, o pessoal do Rio Grande do Sul disse que estava realizando um trabalho de terapia para filósofos. No encontro de 1996, em Brasília (DF), o pessoal levou um Jornal sobre Filosofia Clínica. Eu li e me interessei pelo curso.

Neste mesmo ano, eu comecei a manter contato com Lúcio Packter (idealizador da Filosofia Clínica). Depois disso, eu assisti a uma aula em São Paulo.

Então, reuni estudantes de Filosofia do INESP e expliquei o que é a Filosofia Clínica e a maioria deles não se interessou pelo assunto", conta o filósofo Sandro David, que se formou no ano passado pelo INESP/UEMG. "Já no encontro realizado em Belém (PA), no ano passado, algumas pessoas de Divinópolis conheceram o Lúcio e ficou mais fácil trazer a Filosofia Clínica para a cidade", continua.

David diz que procurou a Filosofia Clínica com o objetivo de conhecer o ser humano com mais profundidade. "A minha busca pela Filosofia Clínica foi além da parte comercial. Eu procurei o curso por causa da discussão em relação ao homem", ressalta. "É claro que não estou fazendo o curso somente para satisfação do meu ego, mas também para me tornar um profissional. Não adianta filosofar de barriga vazia", completa o filósofo, que é aluno do mestrado em Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - ele cursa a disciplina de estruturalismo.

"Nós não estamos preocupados com os psicólogos, mas sim com o processo de desenvolvimento da Filosofia Clínica no Brasil", finaliza David, que atualmente é supervisor de informática do INESP/UEMG. (EG)