O TEMPO ( OUTUBRO DE 1998 )
  Belo Horizonte

Filosofia Clínica (por Marcelo José Caetano, professor de Filosofia na PUC/MG, mestre em Literatura da Língua Portuguesa e Doutorando em Literatura Comparada)

"A verdade é uma descoberta progressiva que gradativamente se revela em nós. Trata-se da verdade existencial, ou seja, a verdade da pessoa" (Vera Regina M. Schneider) Hoje impõe-se a polêmica que questiona a legitimidade de o filósofo clinicar e a capacidade da Filosofia Clínica de substituir a Psicologia. Delimitada assim, tal polêmica possui dois problemas básicos: 1) De um lado, não existe para a Filosofia Clínica e o filósofo clínico a alternativa de vir a substituir a Psicologia e o psicólogo. Portanto, revela-se nesse aspecto um falso problema. 2) De outro lado, nem todos os filósofos arrogam-se o direito de clinicar, pois para isso se faz necessário uma capacitação formal que os habilite para a clínica.

Desse modo, faz-se preciso reconhecer a amplitude da proposta da Filosofia Clínica. Ela não surge do nada ou como oportunismo de um ou de outro filósofo, mas com seriedade e com propósitos bem definidos nas diversas perspectivas da investigação e da práxis filosófico-cló\ínicas - todas centradas no indivíduo social, nas estruturas de seu pensamento e orientadas na filosofia de base fenomenológicas merleau-pontyana, no pensamento deleuziano, na antropologia etc. Ela pode ser definida, conforme Santos Neto, como "...um pensar que busca ir às raízes do objeto de investigação e reflexão" e compreende, ainda segundo o estudioso, que "...a pessoa humana se constitui a partir das escolhas que vai fazendo e que definem a forma de interação entre os diferentes tópicos da Estrutura de Pensamento". Grosso modo, ela trabalha com as estruturas do pensamento e com a lógica do sentido, procurando corrigir as deficiências que as mesmas possam conter. Em outras palavras, o filósofo clínico - orientando-se nas abordagens filosóficas de base fenomenológico-existencialista e outras - intenta reestruturar a capacidade intelectiva , organizada e reflexiva do pensamento humano. A Filosofia Clínica constitui-se, então, como um instrumento para mensurar e "corrigir" as debilidades na estrutura do pensamento e se coloca como perspectiva filosófico-operacional fundamental a uma época que anseia por novas soluções para os problemas que assombram o homem contemporâneo. A incapacidade de análise e reflexão e o narcisismo imperativo dos seres sociais, impeditivo de uma visão não-fragmentada e não-alienada do mundo, exemplificam essa ansiedade.

Daí, não se deve compreender a Filosofia Clínica como mais uma abordagem psicológica, mas como uma outra alternativa de se pensar o homem e ajudá-lo a se constituir sujeito da história e de si mesmo.

Concluindo e buscando refletir sobre a questão que orienta este pequeno texto, mas não querendo (ou podendo) respondê-la definitivamente, penso que seja legítimo buscar novas perspectivas para a análise, administração e solução dos problemas que afligem o homem na atualidade. Se isto é verdadeiro, a Filosofia Clínica, ao constituir-se como uma dessas alternativas, é legítima.

Talvez seja necessário conhecer um pouco mais sobre a Filosofia Clínica, suas perspectivas e propostas para depois questioná-la. Neste sentido, àqueles que pretendem conhecer, sugiro entrar em contato com o Instituto Packter pelo fax (051) 330 66 34, ler o "Jornal da Filosofia Clínica" ou navegar no endereço www.ponta.com.br/filosofiaclinica/

(artigo em O TEMPO, de Flávio Netto Fonseca)

Mãe de todas as ciências, a Filosofia acaba de gerar uma filha temporã - a Filosofia Clínica. No dizer de Lúcio Packter - autor do livro "Filosofia Clínica - Propedêutica" - a Filosofia Clínica vem cumprir a Filosofia. Se bem entendi, ela é uma terapia que não define patologias, não faz tipologias a priori, não propõe cura. Parte do sujeito - ser humano com sua especialidade. Utiliza métodos e conceitos filosóficos como instrumentos para análise e síntese. Com isso, o cliente de um filósofo clínico toma consciência do modo como se encontra em relação ao contexto em que vive, e como pode entender seus conflitos.

Em conversas com alguns colegas pude perceber que esta filha temporã nasce "patinho feio". Criticaram-na sem conhecê-la. Não sou defensor da Filosofia Clínica e muito menos faço ataques a ela. Se ela se propõe a ser uma Filosofia de resultados, aguardá-los e assisti-los seria o mais razoável.

(artigo publicado em O TEMPO, da professora de Filosofia Maria Eugênia Dias de Oliveira)

A atividade filosófica sempre foi eminentemente reflexiva e sempre procurou apreender os conteúdos universais de cada situação humana.

A psicanálise é uma terapia surgida especificamente em um contexto marcado pelo individualismo. Nesse sentido, a psicanálise se concebe como uma série de práticas de visam explicitar vivências individuais do sujeito. A Filosofia nunca se aplicou a terapias individuais ou pensou o indivíduo e a sociedade em termos de vivências psíquicas. Parece que ambas as ciências têm em si mesmas objetos diversos. Talvez possa vir a ser pensada uma hermenêutica filosófica totalmente voltada para a situação do homem contemporâneo. Mas eu acho difícil que ela venha a ser aplicada a casos individuais. Existem atualmente pessoas com formação filosófica e também formação nas terapias freudianas ou similares que exercem a psicanálise. A mim parece difícil imaginar uma pessoa apenas com formação filosófica exercendo o ofício de um psicoterapeuta.

A Filosofia no Divã (da editoria do jornal O TEMPO)

Em tempos de crise como os atuais, em que o ceticismo desconhece fronteiras e põe em questão conceitos como os de verdade e razão, a Filosofia volta a nos seduzir com as suas possibilidades de propor respostas ou pelo menos reformular as perguntas que nos assaltam. A indagação sobre a competência do filósofo para desempenhar a função de psicanalista deve, portanto, ser respondida levando-se em conta esse aspecto.

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O fenômeno de filósofos clinicando não chega a ser novo, ainda que o crescente número de clínicos que são filósofos provavelmente seja. Como Freud considerou ao tratar da questão da psicanálise praticada por leigos, não há nada que, em si, os impeça de exercer a função. Afinal, deverão - assim como profissionais de outras especialidades - passar pelo treinamento básico de psicanalistas, o qual inclui formação teórica, análise e supervisão.

Numa sociedade complexa como a contemporânea, onde o chamado mundo da vida sofre com o assédio de fatores que lhe são externos, a Filosofia pode abrir picadas. Os filósofos merecem uma chance.