GAZETA MERCANTIL

   página 04 e 05 - por Íris Oliveira


    FILOSOFIA CLÍNICA AJUDA A

      REINVENTAR EMPRESAS


      São Paulo, 4 de setembro de 2001 - O pensamento de filósofos como Aristóteles, Sócrates, Epicuro, Immanuel Kant e Merleau-Ponty é a nova proposta de consultoria para empresas. Depois de ter rompido as fronteiras acadêmicas e levado a filosofia às clínicas—função antes exclusiva de psicólogos e psiquiatras—, os denominados filósofos clínicos se preparam agora para outro desafio: tratar empresas em crise.

 

      O método é semelhante ao que norteia o atendimento clínico de pessoas, só que voltado para empresas. Toda a metodologia da filosofia clínica foi desenvolvida pelo filósofo gaúcho Lúcio Packter, há sete anos. De lá para cá, formou-se a primeira geração de filósofos clínicos no Brasil, cerca de mil profissionais. Só na Grande São Paulo eles são hoje 40. 'O filósofo clínico tem capacitação para diagnosticar problemas existenciais, como os incômodos de não se adequar a um trabalho', explica Packter.

 

      Segundo a presidente da Associação Paulista de Filosofia Clínica, Monica Aiub, 'o objetivo do trabalho é estudar as questões existenciais e entender como lidar com elas, mas sempre respeitando a singularidade de cada pessoa ou empresa'.

 

      Toda a estrutura do trabalho é fundamentada nos filósofos, dos pré-socráticos aos contemporâneos. Sem divãs, as consultas podem ocorrer tanto no chão de fábrica, envolvendo encontros com os operários, como em terapias individuais com os executivos da empresa. 'A consultoria empresarial é viável também para escolas', diz Monica.

 

      O salto dos filósofos para a consultoria empresarial acontece em um momento em que a maioria das empresas se articula para o acirramento da competição instaurado pela globalização. O estresse da perseguição a supermodelos de eficiência e pela produção em escala geométrica da informação comumente criam ansiedades profissionais que atingem todos os membros de uma corporação, como o sentimento de inadequação profissional . 'Em momentos de crise, mais do que nunca sentimos a necessidade da filosofia como ferramenta para solucionar os problemas', diz Packter.

 

      Diferentemente do que ocorre com a psicanálise, que trabalha com dados do inconsciente, os filósofos clínicos lidam com informações do consciente do cliente, também chamados por eles de 'partilhantes'. O processo de terapia é desenvolvido a partir de um roteiro da história de vida do cliente.

 

      O filósofo acompanha os relatos, na maioria das vezes gravados, e fundamenta os 'exames categoriais ' — referência direta ao sistema de categorias de Aristóteles e de Kant.

 

      Neste processo de colheita de informações, que pode durar até cinco consultas, o filósofo não faz interferências, apenas ouve. Com as informações sobre a trajetória de vida do 'partilhante', o profissional monta o que chama de 'Estrutura de Pensamento', um modelo com respostas a 30 tópicos de questionamentos, como 'Emoções', 'O que acha de si mesmo', e 'Pré-juízos'.

 

      Com base nesse mapa, o filósofo clínico estabelece relações entre os tópicos e constata choques, contradições e as ferramentas naturais que cada indivíduo usa para resolver seus conflitos. O tratamento leva me média entre seis e oito meses. A consulta custa cerca de R$ 50.

 

      A adaptação do programa para empresas é definida pela filósofa clínica paulista Suely Molina como uma extensão do que já vem sendo feito com os indivíduos. Suely quer aproveitar sua experiência de 25 anos em empresas de informática e sua formação em filosofia para atuar na área de consultoria. 'Vamos aplicar os mesmos questionamentos para entender como a empresa percebe a si mesma e ao mundo que a rodeia', diz. 'Uma empresa nada mais é do que um organismo vivo formado por pessoas.'

 

      Como não é possível analisar todos os funcionários de uma empresa, ela explica que as sessões podem ser feitas com os líderes, envolvendo assim todos os setores da corporação. 'É possível montar a Estrutura de Pensamento da Empresa, basta que todos os setores participem', diz. 'As soluções vão vir do próprio grupo, quem dá as ferramentas é a própria empresa', complementa Dildo Brasil, que atende como filósofo clinico desde 1999. 'Vamos conquistar muitos espaços ainda', ressalta, Pedro Luis Botura, que faz parte da categoria.  

ANÁLISE FILOSÓFICA É ALVO DE POLÊMICA

A polêmica sobre a validade da filosofia para resolver problemas existenciais e emocionais é grande. A maior parte das críticas por parte de filósofos acadêmicos, psicólogos e psiquiatras é de que falta formação sólida aos filósofos clínicos para diagnosticar distúrbios psíquicos graves, o que coloca em risco a saúde dos pacientes. "A preocupação é saber até que ponto o filósofo clínico está preparado para reconhecer um quadro clínico grave", diz o presidente da Associação Brasileira de Psicanálise,
Wilson Amendoeira.

Para se tornar filósofo clínico, é necessário ter diploma de filosofia por uma instituição reconhecida pelo Ministério da Educação, além de especialização de dois anos em filosofia clínica, em entidades ligadas ao Instituto Packter, de Porto Alegre.

O idealizador do programa, Lucio Packter, rebate as críticas sobre os riscos de erros de diagnósticos com a programação do curso. "Além da prática clínica obrigatória, os alunos têm aulas de psiquiatria e neurologia", diz Packter. "A loucura, no sentido médico e psiquiátrico, deve ser compreendida, não atacada. Mas não temos competência para tratar distúrbios psíquicos, e é por isso que nos cercamos de exames que provem que o paciente não tem problemas desta ordem."

Para a filósofa Olgária Matos, professora titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), embora a filosofia tenha nascido para curar os males da alma, a especialização do conhecimento ao longo do tempo modificou essa destinação inicial.

Ela lembra que, na Grécia Antiga, as tragédias eram encenadas em espaço público, com o objetivo de exorcismar temores. "Trânsito há, mas não posso falar dos procedimentos da filosofia clínica hoje, até porque não conheço profundamente, mas acho muito delicado, porque a faculdade de filosofia não forma clínicos", afirma. "A especialização não supre a formação." (I.O.)