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				| Conhecimento Prático - Filosofia - Basicamente, como 
				funciona a prática da Filosofia Clínica? Lúcio Packter (LP) - Após 
				a consideração minuciosa da historicidade da pessoa, realizada 
				com ferramentas da lógica, da analítica de linguagem, da 
				epistemologia, entre outras, o filósofo pesquisará a organização 
				dos elementos que existem nesta pessoa e que estão disponíveis, 
				conforme o modelo da mente que a pessoa possui. Então, estará 
				diante de algumas possibilidades de encaminhamento quanto a 
				assuntos pertinentes à pessoa.
 CP - Filosofia - Seria 
				uma maneira de retomar o que praticavam os epicuristas? LP - Também a eles. 
				Encontramos ecos da Filosofia Clínica desde os pré-socráticos. 
				Cada vez que os filósofos consideraram os desdobramentos da alma 
				humana, das aventuras do pensamento e da existência, ali houve 
				um pouco de Filosofia Clínica.
 CP - Filosofia - A disciplina ainda é vista com 
				reticência pelo meio acadêmico de Filosofia brasileiro? LP - Há um diálogo cada 
				vez mais consistente e mais profundo com a academia. Isso era de 
				se esperar e é uma prática filosófica. O debate acadêmico em 
				torno de um tema, seja ele a Filosofia Clínica ou outra questão, 
				traz como componentes a dúvida, a confutação, a elaboração, os 
				argumentos, a dialética, a reticência. Estes movimentos são 
				parte constitutiva dos trabalhos. Estamos revendo, aprimorando, 
				desenvolvendo os caminhos. Em alguns momentos, há mais dúvidas e 
				menos convicções, afinal, Filosofia Clínica é Filosofia antes.
 CP - Filosofia - Você poderia citar alguns exemplos 
				desse diálogo? LP - Na Faculdade Católica 
				de Anápolis, onde coordeno a pós-graduação em Filosofia Clínica, 
				existe uma conversação entre a religiosidade e os aspectos 
				práticos ligados ao consultório. Na Universidade Moura Lacerda, 
				em Ribeirão Preto, o diálogo envolve médicos, pedagogos, 
				filósofos. Em hospitais pelo país, o diálogo acontece nas 
				questões éticas. Há inúmeros exemplos. Um deles ocorre via Café 
				Filosófico, um evento que se espalha por livrarias em capitais 
				pelo país, um fórum privilegiado de diálogo com a comunidade em 
				geral.
 CP - Filosofia - Além da psicanálise, quais são as 
				outras áreas do saber com quem a Filosofia Clínica dialoga? LP - Existe um leque que 
				se desdobra em vários. Filosofia da Mente, Neurociências, 
				Psiquiatria, Psicologia, Medicina. A Filosofia Clínica se 
				esparrama em campos aparentemente distantes como a Arquitetura, 
				a Odontologia, a Religiosidade. Dadas as dimensões de seus 
				conteúdos, e a Filosofia Clínica possui um acervo teórico e uma 
				prática vastíssimos, a cada dia novas áreas entram neste 
				diálogo.
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				| CP - Filosofia - Da Arquitetura? Da Odontologia? 
				Explique um pouco mais essas interações, por favor. LP - Na Arquitetura, os 
				projetos recebem maior profundidade e adequação quando são 
				realizados levando em conta aspectos dinâmicos da estrutura do 
				pensamento da pessoa. Assim, os espaços, a ordem dos ambientes, 
				a estética, o funcionamento entre as partes podem considerar o 
				modo de ser da pessoa que estará nesse ambiente projetado. Na 
				Odontologia, desde o diagnóstico até a maneira como o tratamento 
				será realizado, os procedimentos acontecerão conforme a 
				perspectiva do que foi apurado na historicidade da pessoa, no 
				modo da pessoa ser e de estar no mundo.
 CP - Filosofia 
				- Qual é a sua resposta para quem critica a Filosofia Clínica 
				como sendo uma forma de psicanálise? LP - A colocação mais 
				adequada é provavelmente anterior: a psicanálise é uma forma de 
				Filosofia. Estudiosos que se deparam com os aspectos essenciais 
				da Filosofia Clínica logo compreendem as diferenças entre estas 
				duas atividades: ausência de tipologias, de critérios de 
				normalidade e patologia, ausência de inconsciente, mecanismos 
				teóricos e práticos. Neste momento, existe em andamento 
				conversações entre filósofos clínicos e psicanalistas, em 
				diversos níveis: conceituais, referenciais, históricos, 
				hermenêuticos. Estamos aprendendo uns com os outros.
 CP - Filosofia - Você poderia destacar um exemplo 
				específico de troca entre filósofos clínicos e psicanalistas?
				LP - Um exemplo diz 
				respeito à existência ou não do inconsciente. Para a Filosofia 
				Clínica, o inconsciente é uma invenção, não uma descoberta. Na 
				psicanálise, o inconsciente é um fato, uma descoberta. Eis um 
				material rico para trocas, conversações, discussões. Assim como 
				a noção do Ser, em Filosofia, hoje se tornou um aspecto 
				metafísico mais ligado à poesia e menos entendido por uma 
				concretuconcretude, uma realidade em si, o inconsciente 
				provavelmente será tido em um futuro próximo como um dado 
				importante de referência, uma construção metodológica, uma 
				ferramenta. Concretamente, o inconsciente não existe.
 CP - Filosofia - A 
				literatura da Filosofia Clínica já tem casos emblemáticos que 
				foram tratados pelos seus adeptos, e que serviram de modelo para 
				consultas futuras ou até para exemplificar como se dá o 
				tratamento pela corrente filosófica? LP - Sim, muitos. Um exemplo ilustrei em minha obra Ana 
				e o Dr. Finkelstein (Editora Wak). Colegas como Hélios 
				Strassburger e Monica Aiub ilustram em suas obras inúmeros casos 
				clínicos.
 CP - Filosofia - O que aconteceu basicamente com a 
				Ana e como foi o seu tratamento? LP - Há muitos anos atendi 
				uma garota, a Ana, após um grave episódio, uma tentativa de 
				suicídio. O tratamento dela seguiu naturalmente o que um 
				filósofo clínico faz em um consultório: estudo da historicidade, 
				considerações sobre a estrutura do pensamento, aplicação de 
				procedimentos clínicos a partir do modo de funcionamento dela. 
				No entanto, houve complicações por conta da situação. Entre os 
				israelitas, ela é judia, o suicídio carrega pesados princípios 
				éticos, existenciais. Mais tarde, após diversos cuidados de 
				adaptação, esse atendimento se transformou em livro.
 CP - Filosofia - Você já chegou a classificar as 
				principais queixas dos partilhantes? Por qual motivo e o que 
				mais buscam as pessoas que procuram a Filosofia Clínica? LP - Questões existenciais 
				levam algumas pessoas a procurarem por um filósofo na clínica. 
				Estas questões são variadas, abrangem aspectos familiares, 
				afetivos, de buscas, de final de vida, de questões sobre o 
				funcionamento das relações humanas, de uso de drogas. Não há 
				como colocar tais questões em um molde neste momento.
 CP - Filosofia - Refutar qualquer tipo de padrão 
				a priori parece ser o principal ativo da Filosofia Clínica, 
				não?LP - A Filosofia Clínica 
				parte de diversos elementos como a historicidade, o contexto, o 
				estudo da estruturação da pessoa, suas relações, seus endereços 
				existenciais. Nesse sentido, há um forte elemento a priori: a 
				pessoa nos traz um mundo como representação, traz algo a ser 
				pesquisado.
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				| CP - Filosofia - Diz o popular ditado que "o 
				silêncio vale ouro, a palavra vale prata". Qual é o papel do 
				silêncio na Filosofia Clínica? LP - O que o silêncio quer 
				dizer, como ele se instaura, qual sua função, de que modo 
				interage com outros elementos, quais seus vínculos remotos e 
				quais os mais próximos, o caminho de seus desdobramentos são 
				alguns itens que precisamos verificar para eu poder lhe dizer 
				qual o papel do silêncio na Filosofia Clínica. Isso porque o 
				silêncio pode ser o modo pelo qual a pessoa fala, o silêncio 
				pode ser o vazio, pode ser o conteúdo, pode ser instrumento de 
				conexão, pode ser outras milhares de coisas.
 CP - 
				Filosofia - Portanto, o silêncio, para os filósofos clínicos, é 
				relativo? LP - Subjetivo. Vamos 
				pesquisar o que o silêncio é para a pessoa que está conosco. O 
				que uma pessoa vivencia tem muito pouco a ver com relativismo em 
				muitos casos. Se uma pessoa chora, se está magoada, atingida 
				fortemente por uma questão pessoal, isso é assim nela, 
				independente de algum relativismo. O elemento subjetivo é então 
				anterior.
 CP - Filosofia - Não seria um exagero o que propõe a 
				Filosofia Clínica, isto é, "a cura pela Filosofia"? LP - Questão importante: 
				na Filosofia Clínica, não existe o conceito de doença; como 
				poderia então existir o conceito de cura? A Filosofia Clínica 
				não propõe tal coisa. Cada pessoa funciona de um modo único. O 
				filósofo buscará as características da pessoa em seu 
				funcionamento existencial para trabalhar questões que dizem 
				respeito a ela. Isso nada tem a ver com cura.
 CP - Filosofia - Qualquer pessoa pode se tornar um 
				filósofo clínico? Como se dá a formação?LP - Para se tornar um 
				filósofo clínico, a pessoa deve ser graduada em Filosofia. 
				Depois ela passará por um curso teórico de 18 meses. Será 
				atendida durante o curso em uma clínica didática pelo professor 
				titular. Conforme o desenvolvimento do aluno, poderá iniciar 
				atendimentos supervisionados. Uma comissão dará um parecer final 
				sobre os trabalhos do aluno. Nos centros de formação, os alunos 
				estudam teoria e prática.
 CP - Filosofia - Se as pessoas tivessem verdadeiros 
				amigos, para bater papo, falar as angústias, precisaria existir 
				a Filosofia Clínica? Já que, como diz Aristóteles na Ética a 
				Nicômaco, "com amigos as pessoas são mais capazes de pensar 
				e de agir". LP - Verdadeiros amigos 
				podem ser essenciais em muitos casos e podem fazer com que 
				determinadas questões se resolvam. Mas há muitas questões 
				intrincadas que podem exigir a presença de um profissional. Nem 
				sempre separar e compreender cada caso será algo fácil de ser 
				feito.
   *Marcelo Galli 
				é jornalista e escreve para esta publicação |  |                                             
 www.filosofiaclinica.com.br
 
 
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